dicas de escrita

Dicas de escrita: criando personagens - sobre mary sues e gary stus

21:14neo


Mary Sue – ou Gary Stu na sua versão masculina – foi um termo criado há anos e anos atrás inicialmente para personagens característicos de fanfics que acabou se espalhando também para livros completamente originais. Nos últimos tempos, encontrar uma Mary Sue ou um Gary Stu está se tornando, infelizmente, cada vez mais fácil.

OBS: Na matéria irei usar apenas a Mary Sue, mas tudo pode ser aplicado ao Gary Stu também. E, devo avisar, boa parte do que está aqui é minha opinião e há quem pense diferente. Se você é muito sensível a seus personagens preferidos de livros como Crepúsculo e Academia de Vampiros ou de filmes de super-heróis serem criticados, é melhor não continuar lendo.

Antes de tudo, o que é uma Mary Sue?

Inicialmente, a Mary Sue era uma personagem impossivelmente perfeita; incrivelmente bonita – mesmo que ela própria não admita isso –, boa em tudo que faz, centro da atenção de quase todos os personagens masculinos da história e sem defeitos que lhe tragam algum tipo de consequência. Ou seja, a Mary Sue – que lembro a vocês, surgiu com as fanfics, onde fãs escrevem sobre seus livros e filmes preferidos – servia para o autor basicamente se colocar no livro. E, não, isso não significa que a Mary Sue seria então uma personagem de verdade, bem construída, que lembrasse uma pessoa real; na maior parte das vezes, o escritor a faz como uma idealização sua, uma versão melhor – perfeita – dele mesmo.

Um bom exemplo da Mary Sue clássica é a Bella Swan, protagonista de Crepúsculo. Bella se acha sem graça e atrapalhada, praticamente invisível, mas mesmo assim mais de dois garotos se apaixonam ou se interessam por ela durante a história. Bella não é exatamente boa em tudo que faz, mas é considerada inteligente por boa parte dos personagens e seus “defeitos” – ser, hm, desastrada – não lhe trazem nenhuma consequência durante os quatro livros da série, a não ser, é claro, quando a fazem cair nos braços de Jacob ou Edward. 

O lançamento e o sucesso de Crepúsculo meio que popularizou a Mary Sue mais uma vez, e ela se tornou muito comum em livros voltados para o público jovem. Nos últimos tempos, porém, houve uma espécie de movimento anti-Sue que (infelizmente) não deu muito certo.

Essas novas Mary Sues não são mais invisíveis, admitem sua beleza, possuem novos defeitos – ser teimosa e ter um temperamento ruim – e várias vezes não precisam que os mocinhos venham salvá-la. O que, portanto, as fazem Mary Sues? Simples: elas ainda são extremamente boas em tudo que fazem, ainda atraem 90% dos personagens masculinos da história e os tais defeitos ainda não trazem consequências – e quando o fazem, nunca é por muito tempo e nunca colocam a Mary Sue em perigo de verdade.

O exemplo dessa vez é Rose Hathaway, a protagonista de Academia de Vampiros. Há muita gente que não considera ela uma Mary Sue, já que ela decididamente não é invisível, sabe muito bem que é bonita e qualquer um que já tenha passado das 60 páginas do primeiro volume da série sabe que Rose é bem capaz de dar uma surra em boa parte dos personagens de VA. Então, por que eu – e você pode discordar de mim – a considero uma Mary Sue?

Mais uma vez, é simples.

Primeiro, Rose passou dois anos longe da Academia e não recebeu treinamento algum durante esse período. Ao retornar, começou a ter aulas particulares e em menos de um ano não só igualou suas habilidades com as de seus colegas como também as superou e as superou de modo esmagador. Com o passar dos livros, Rose se torna uma máquina de matar Strigoi com uma rapidez absurda e sim, ela treinou, mas o suficiente para chegar praticamente ao nível do seu mestre em menos de um ano? Nope. Não me convence.

E, é claro, temos os personagens masculinos da série se apaixonando por ela a torto e a direito. Eu até perdoaria ela atrair a atenção dos Moroi por ser uma dampira (na história, dampiros são mais “musculosos” e possuem um corpo mais bem modelado do que os Moroi, vampiros extremamente magros, e por isso se destacam), mas dois dos três caras que se apaixonam por Rose são dampiros como ela. Devo lembrar também que aparência não faz ninguém se apaixonar de verdade, e quem já leu VA sabe bem que Mason, Dimitri e Adrian realmente a amam e não a querem somente por seu corpo.

Por último, a teimosia e o temperamento ruim de Rose não a colocam em problemas, não de verdade (e quando colocam não é por muito tempo e nada que a prejudique mesmo). Para ser sincera, muitas vezes essa teimosia e esse temperamento ruim são os responsáveis por torná-la mais apaixonável, por assim dizer. São “defeitos” que a fazem mais atraente para os personagens masculinos da trama, basicamente, e não traços verdadeiros de um personagem bem planejado.

Porém, há mais uma coisa que personagens como Rose e Bella tem em comum (além da síndrome da Mary Sue): são personagens mal escritos e não possuem praticamente nenhum desenvolvimento durante a série. Compare a Bella do início de Crepúsculo com a do final de Amanhecer: são elas realmente diferentes? Houve alguma evolução pessoal (não estou falando do romance, mas da Bella como pessoa)? Há algo que as diferencie (tirando o fato óbvio de que agora ela é uma vampira) de verdade? Algum hábito diferente, algum modo de pensar novo, um jeito de agir que ela não possuía no início da série?

Hm, nope.

Rose, por outro lado, teve algum desenvolvimento, embora ele não seja nem de longe tão grande ou tão bom quanto Richelle Mead quer fazer você acreditar. Muito desse desenvolvimento, aliás, é mais dito – muitas vezes pela própria Rose – do que mostrado. Ela, para mim, é uma personagem que poderia ter escapado da síndrome da Mary Sue se tivesse sido construída de um modo melhor, mas, infelizmente, isso não aconteceu.

Resumindo, Mary Sues:
  • Possuem características extremamente previsíveis – técnica usada para tornar a inserção do leitor e/ou escritor muito mais fácil.
  • São boas em praticamente tudo e não possuem defeitos que lhe tragam consequências reais.
  • São o par romântico de boa parte dos personagens masculinos da história sem motivos aparentes.
Caso você esteja se perguntando, é óbvio que existem personagens femininas que são boas em muitas coisas e que possuem vários caras atrás delas que não são Mary Sues. O que diferencia as Mary Sues dessas personagens é, portanto, o modo com que elas são desenvolvidas durante a história. As Mary Sues são boas em tudo porque são boas em tudo, são o par romântico perfeito porque são o par romântico perfeito e são especiais porque são especiais. Fim. Não há motivo. Não há um porquê. Elas são assim porque são assim e fim de papo.

O problema, portanto, não é o fato de elas serem extremamente habilidosas e etc, e sim o fato de o escritor não dar razão alguma para elas serem assim. A Viúva Negra (de Os Vingadores), por exemplo, tem o porquê de ela ser tão boa bem encaixado no seu passado e tem defeitos que lhe trazem consequências reais. Muitas das personagens que eu pessoalmente não considero Mary Sues, como Katniss Everdeen, Éowyn, Xena, Lisbeth Salander, Sansa Stark, Daenerys Targaeryen, etc, são extremamente habilidosas com, por exemplo, o uso de armas (algumas delas). E nem por isso são Mary Sues.

E por que você não iria querer uma Mary Sue na sua história?

Porque elas não existem.

Tada.

Lembra que eu mencionei que personagens são pessoas na última matéria? É simplesmente por causa disso; pessoas perfeitas não existem, logo Mary Sues não podem existir.

A maior parte dos leitores abre um livro esperando encontrar personagens que façam com que ele se sinta representado e não procurando um personagem oco para fingir que a história está acontecendo com ele. O oposto acontece? Sim, acontece. Todos nós sabemos disso e há dezenas de histórias que provam a existência de casos assim. Mas, como eu já disse, a maioria das pessoas que vier a ler sua história vai farejar uma Mary Sue já nas primeiras páginas e imediatamente virará as costas. Uma Mary Sue é basicamente uma faixa com o aviso “escrita de má qualidade – personagem mal desenvolvido” colado sobre o título do seu livro.

Para concluir, leitores querem apenas se importar com seus personagens. E para se importar com seus personagens eles precisam se identificar com eles – com suas dores, medos, sonhos, defeitos e sim, qualidades também. É justamente por isso que você vai querer uma Mary Sue bem longe da sua história. Ela é perfeita, e seus leitores não são, e isso impede qualquer chance de fazer com que eles se identifiquem e se importem com ela. Ou seja, corra para cortar qualquer Mary Sue da sua história pela raiz.

Mas como fazer isso?

Primeiro, aprenda a encontrar as possíveis Mary Sues na sua história. Essa pode não ser uma tarefa fácil, mas os pontos abaixo podem acabar te ajudando a ver se algum personagem seu se encaixa.
  • O personagem é bonito e em boa parte do tempo não admite isso.
  • O personagem tem uma característica física que o diferencia dos demais (olho ou cabelo de cor não-usual, como o vermelho é para os olhos humanos) sem explicações para isso.
  • O personagem é muito inteligente.
  • Outros personagens frequentemente querem ajudá-lo sem terem motivos fortes o suficiente para isso.
  • A maior parte dos personagens gosta dele.
  • O personagem possui muitos traços seus. E não, ter traços seus não é algo necessariamente ruim; o exagero na semelhança entre você e seu personagem é.
  • O personagem aprende coisas novas muito rápido, superando outros no mesmo nível que ele sem esforço e chegando até mesmo a derrotar o mestre em um curto espaço de tempo.
  • O personagem poderia ser caracterizado como o/a namorado/a perfeito/a.
Se um de seus personagens se encaixou em muitas das afirmações acima, aconselho dar uma reformulada no seu personagem.

Você também pode usar esse “teste” abaixo para tentar identificar as possíveis Mary Sues na sua história, se os pontos ali de cima não forem suficientes para lhe tirar essa dúvida.
  • Seu protagonista muda durante a história?
Se não: Conserte isso, com urgência. Boa parte do que faz um personagem bom é sua capacidade de mudar, tanto para melhor quanto para pior, diante dos acontecimentos do plot. Afinal, pessoas também mudam graças aos eventos que acontecem na sua vida.

Se sim: \o/
  • Seu personagem possui defeitos?
Ser apenas teimoso e de temperamento ruim não conta. Muito menos desastrado. Dê defeitos reais que tragam consequências reais para seus personagens. Como eu já disse, eles não podem, sob hipótese alguma, ser perfeitos.
  • Seu personagem falha?
Se não: Meh. Como seu leitor vai se identificar e simpatizar com um personagem que está sempre certo?

Se sim: \o/
  • Os outros personagens gostam do personagem em questão sem motivos?
Se não: \o/

Se sim: Nenhuma pessoa consegue ser amada por todos sem motivo. Seu personagem não é exceção.
  • Seu personagem é especial de alguma forma sem explicação alguma?
Se não: \o/

Se sim: Mude isso. É sério.

Ou seja:
  • Se muitos personagens se apaixonam por ele, dê motivos para isso e desenvolva bem o “se apaixonar” deses interesses românticos.
  • Dê ao seu personagem defeitos que realmente causem impacto na sua vida e no plot.
  • Não faça com que ele aprenda tudo muito rápido.
  • Dê explicações para eventuais características diferentes.
  • Dê motivo aos outros personagens se for preciso que eles o ajudem de alguma forma.
Não falei muito de Gary Stus, mas aqui vão alguns exemplos do que eu considero um: Edward Cullen, Dimitri Belikov, Batman (há controvérsias, e aqui falo baseando-me apenas nos filmes), Superman e muitos dos protagonistas de anime shounen por aí (Seiya de Saint Seiya/Cavaleiros do Zodíaco – bônus por Atena/Saori também ser uma Mary Sue, Goku de Dragon Ball e até mesmo Sasuke de Naruto, que iniciou como Gary Stu, mas hoje felizmente não o considero mais como um).

Finalizo essa matéria gigante dizendo que não, eu não odeio Crepúsculo. Não concordo com muito do que a história passa, mas não chego a ter algo contra ela, não de verdade. Mas fatos são fatos e eu estou longe de ser a única a considerar Bella uma Mary Sue e Edward um Gary Stu. Cada um com sua opinião, é claro.

Também não odeio Batman, nem Superman, nem Saint Seiya e nem Dragon Ball.

Quanto a Academia de Vampiros…Bem, eu odeio Academia de Vampiros. Sinto muito, mas nope.

Espero ter ajudado e qualquer coisa é só deixar um comentário.

Você pode gostar de:

2 comentários

  1. Achei o post muito construtivo, e muito bem vindo em uma época em que venho pesquisando bastante sobre caracterização dos personagens. Usarei as dicas para avaliar meus próprios personagens a fundo, mas em uma análise superficial acredito que consegui escapar pelo menos de alguns dos pontos listados.

    Uma das técnicas que uso é o defeito fatal (às vezes dou mais de um ao personagem). Tento pensar bastante sobre esse defeito e como isso pode ser usado na história para causar problemas a esse mesmo personagem e aos outros ao redor. Por exemplo, minha protagonista chamou a atenção de um dos vilões pois ficou intrigada com algo que aconteceu e decidiu investigar, ou seja, sua curiosidade exacerbada e sua crença de que ela necessita saber de tudo o que acontece criou problemas para ela mesma.

    Talvez seja uma forma interessante de trabalhar seu personagem e ainda fazer com que seu defeito seja importante dentro da história e a mova.

    Abraço!
    Sonhos, Imaginação & Fantasia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Laís, já tinha ouvido falado dessa técnica do defeito fatal e concordo, ela pode ajudar muito. Também estou na fase de caracterização dos meus personagens (de novo), então acredito que isso possa me ajudar muito.

      E fico feliz que tenha gostado do post. Abraço!

      Excluir

Formulário de contato