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Rant literário: preconceito contra o escritor brasileiro

17:45neo


Esse é um assunto que dá muito o que falar por aí e um que eu venho querendo discutir aqui no blog há séculos, coisa que até agora nunca fiz por preguiça mesmo. Porém, nos últimos tempos tenho ouvido/visto mais e mais discussões sobre o preconceito com o escritor brasileiro, principalmente o escritor brasileiro de fantasia e ficção científica, e bem, há algumas coisas que eu gostaria de falar sobre isso.

Antes de mais nada, é bom lembrar que eu escrevo. Meus posts aqui no Chimeriane/AP são basicamente apenas resenhas e a ocasional dica de escrita hoje em dia, mas lá no início minha motivação para criar o blog foi justamente a ideia de compartilhar as dicas que eu achava pela internet/que eu mesma bolava enquanto eu escrevia meu primeiro livro. Tal primeiro livro se encontra jogado na gaveta e no momento estou plotando o novo primeiro livro, por isso que as coisas acabaram mudando tanto de foco.

Enfim, sou escritora, mas tenho sim um certo preconceito com literatura fantástica brasileira. Antigamente não tinha; o preconceito veio depois de algumas experiências muito ruins que tive e que sangraram minha pobre carteira. Hoje procuro ler o primeiro capítulo de qualquer livro brasileiro que me interesse antes de comprar, já que a maior causa de frustração que tenho com essas obras é justamente a escrita. Se a escrita for razoável e a história aparentar ser legal, eu compro. Se não tem o primeiro capítulo disponível para leitura no blog/site do autor... Eu me esqueço que o livro existe. Ou melhor, fico esperando por alguma oportunidade pra ler o livro de graça (tipo promoção na Amazon ou coisa parecida). Se essa oportunidade nunca aparecer... Well, adeus, livro.

Tenho preconceito com livro brasileiro? Sim, tenho. Acho, portanto, que escritores nacionais são piores que estrangeiros? Hm, não exatamente.

Como assim?

Já comentei isso nos grupos do facebook da vida, mas o escritor estrangeiro tem muita vantagem sobre nós, escritores brasileiros. A comunidade de livros/escrita internacional (aka dos Estados Unidos e/ou Inglaterra) é muito maior e mais desenvolvida do que a brasileira, e isso os ajuda muito. Por exemplo, lá existe quase uma "cultura de escrita"; afinal, eles estão acostumados a serem os criadores dos best-sellers mundiais e das tramas premiadas de Hollywood. Ser escritor pode até não ser a carreira que os pais americanos querem para seus filhos, mas a profissão não é vista com o grau de absurdidade com que os brasileiros a enxergam. Americanos que querem ser escritores têm para onde se dirigir para ver como as coisas são feitas; o número de workshops, grupos de escrita e similares lá nos Estados Unidos é grande. Aqui no Brasil a gente está apenas engatinhando. Lembro de querer ser escritora desde os meus sete, oito anos de idade, mas foi só com catorze, quinze anos que encontrei uma espécie de comunidade de escrita (A Só Webs no Orkut, que era, de fato, uma comunidade) e isso apenas online. Na "vida real", porém, isso nunca aconteceu. A internet é a única razão de eu ter começado a me tornar uma escritora melhor.

E, é claro, lá fora é possível se formar em Escrita Criativa. Aqui a gente tem um ou outro curso voltado para isso, mas lá eles têm uma faculdade. Ou seja, as coisas estão em níveis bem diferentes. 

A competitividade entre eles é bastante acirrada também e isso os ajuda. Para ter seu livro publicado de forma tradicional lá nos EUA, por exemplo, você precisa de um agente literário se quiser ter uma chance com as editoras maiores (as menores geralmente aceitam receber manuscritos de escritores sem agente) e para conseguir um agente você tem que convencê-lo de que sua história é boa o suficiente/fácil de vender. Você tem que mandar uma query letter para os agentes que você acha que se interessarão pela sua história e essa query letter - basicamente uma sinopse da sua história, embora alguns agentes também peçam um resumo - tem que ser perfeita. Agentes literários lá fora recebem centenas de query letters; a sua tem que ser o melhor possível se você quiser ter uma chance de ter seu manuscrito (ou parte dele) solicitado por alguém. E mesmo se você conseguir que algum agente solicite seu livro, ele ainda tem que gostar dele (óbvio) e se o início não for bom o suficiente o agente provavelmente o deixará de lado e partirá para o próximo. 

E aí quando você finalmente consegue um agente ele provavelmente te dará várias dicas/sugestões de alteração para sua história. E só depois é que ele vai tentar vender seu livro para uma editora. Muitos livros conseguem agentes, mas encalham e jamais são escolhidos por alguma editora.

Em resumo, é difícil pra caramba vencer a concorrência lá fora e por isso eles estão sempre buscando melhorar suas query letters, sua escrita, sua história, etc, de um jeito que aqui a gente às vezes não faz. Afinal, a maior parte de nós não tem o conhecimento que os escritores americanos adquiriram através de workshops, cursos e até uma faculdade, o que nos deixa até perdidos na hora de reconhecer o que precisa ser melhorado nos nossos livros. E bem, também não temos o "estímulo" que eles têm; poucas editoras aqui aceitam livros brasileiros para publicação, e dessas poucas menos ainda são grandes. A opção mais comum para o escritor brasileiro é a auto-publicação, e na auto-publicação o autor não tem a editora e/ou seu agente para lhe ajudar a tornar o manuscrito o melhor possível. A coisa toda tem que ser feito por ele mesmo (e por profissionais que ele pode escolher contratar).

Em conclusão, o escritor brasileiro não é, às vezes, pior do que o estrangeiro porque ele é brasileiro. Temos muito menos educação na área e muitas vezes isso fica bastante óbvio nos livros que são publicados por aí. Escritor demais acaba publicando seu livro na Amazon sem pensar em fazer revisão ou reescrita e sem se tocar sobre construção de personagem, ritmo, etc, simplesmente porque não é algo que ensinado pra gente em canto algum. Aí o leitor acostumado com os livros estrangeiros - que passaram por Deus sabe quantas reescritas, revisões, reestruturações, etc - acaba torcendo o nariz para as obras nacionais. 

É como se nós publicássemos a primeira ou segunda versão da nossa história enquanto os gringos publicam a sexta ou sétima. É óbvio que, na maior parte das vezes, o que eles produzem vai ser melhor em pelo menos termos técnicos. 

O que fazer então? Correr atrás do prejuízo, é claro. Vejo muito autor falando que não vende porque o brasileiro tem preconceito contra livro nacional, mas André Vianco, Carolina Munhóz, Eduardo Spohr e outros estão aí pra provar que é possível sim conquistar o público. Há preconceito? Claro. Como eu disse lá em cima, eu mesma tenho um certo preconceito com livros brasileiros. Mas essa não é, nem de longe, o que faz com que tantos de nós acabem esquecidos nas partes mais escuras da internet (ou da livraria). A falta de exposição é, na minha opinião, a maior culpada pela invisibilidade de nossos escritores, mas toda essa falta de conhecimento sobre o processo de escrita também é bastante importante. Vários escritores brasileiros têm sim ideias excelentes, mas a história se perde na execução ou na pouca divulgação/exposição.

Vale falar também que a própria profissão aqui é bastante romantizada. Estamos acostumados com a ideia (absurda) do escritor que vive tomando café e que derrama seus sentimentos na página após passar noites sem dormir e coisa e tal. Um monte de bobagem, é claro. Arte alguma vem apenas de sentimentos e blá blá blá; há técnica pra tudo. Claro que essas técnicas/regras não precisam ser seguidas ao pé da letra, mas, como dizem por aí, você precisa conhecê-las antes de quebrá-las. Já vi muita gente que acha que escrever é uma arte sublime e que qualquer tipo de pensamento lógico na hora de construir o texto/personagens é uma afronta ao que se está escrevendo.

Aí fica difícil, né?

Enfim, escritor brasileiro, o preconceito não é a maior razão para seu livro estar encalhado na Amazon/livraria. É só dar uma olhada no Skoob; 95% das resenhas de qualquer livro, nacional ou não, são positivas. O maior problema que temos mesmo é o de ser visto pelos leitores e, logo depois, o dessa falta de conhecimento/educação sobre a escrita. Culpar o público é colocar a culpa no lado errado, quer você goste disso ou não. 

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4 comentários

  1. Olá! Adorei o texto. Muito obrigada por falar pelos leitores também, pois a maioria dos artigos que vejo/leio sobre o tema são escritos apenas pelo ponto de vista de quem é escritor.

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    1. Sim, é algo que sempre me incomodou. Sou leitora antes de escritora, afinal de contas, e fico chateada quando vejo a culpa toda jogada em cima de quem menos é responsável pela situação.

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  2. Oi Neo, ótimo artigo (como sempre ^.^)! Acho que faltou comentar que o Brasil ainda é um país em que as pessoas não valorizam a leitura em si. Como se constrói um escritor se ele não é/foi um leitor?

    Acho que além das técnicas e das boas ideias, experiência de leitura de outros autores também ajuda a construir um bom escritor. Ser envolvido na história dos outros ajuda você a ter uma noção do que fazer ou não em suas próprias histórias.

    Mas concordo com você. Um dos maiores problemas do autor brasileiro é escrever uma obra e achar que ela não precisa de revisão, refação, renovação. Que se "meu pai e minha mãe" acham o que eu escrevo legal todo mundo também vai achar.

    Como leitora, depois de me deparar com tantas histórias de potencial mas de fraco desenvolvimento dá sim uma certa preguiça de dar outras oportunidades para autores daqui.

    E o que você pensa sobre o orgulho que normalmente envolve o meio literário brasileiro? Já vi muitos autores que se relacionam com blogs (que não são críticos de verdade, e normalmente não tem muito embasamento para avaliar a escrita além de "bom senso") subirem no salto e não ser nem um pouco receptivos à críticas.

    Beijos! ^.^

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    1. Sim, isso é verdade também. Acabamos prejudicados pela falta de incentivo à leitura e também pela falta de diversidade de livros que chegam aqui. Quem não sabe ler em inglês acaba lendo apenas o pouco que é publicado no Brasil e baseando toda sua formação de escritor em uma fatia do que há disponível lá fora e isso influencia o que escrevemos sim. Isso quando lê, né. Ser um leitor é essencial pra ser escritor.

      Olha, eu nunca tive problema com autor nacional (e olha que eu posto umas resenhas bem negativas aqui de vez em quando KKK), mas já ouvi algumas histórias de escritores brasileiros que não aceitam crítica alguma e que ficam revoltados com os blogs que publicam resenhas menos favoráveis. Acho que como que, no geral, não estamos acostumados à críticas, principalmente porque resenha positiva aqui é a maioria sempre e raramente vemos uma negativa (no Skoob, pelo menos). Vejo até mesmo muitos leitores ficando chateados com resenhas negativas de livros que o agradaram, então né... Muito escritor acaba não lidando muito bem com a ideia de que podem não ter gostado de seu livro.

      Beijos!

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